domingo, 29 de julho de 2012

Um dedo

O que é um dedo?
Um dedo, apenas um dedo.
Um dedo que indica, que cutuca
Um dedo que unha.
Um dedo que dói.
A dor do dedo me corroe.
O dedo pulsa
O dedo treme
O dedo não quer se mecher.
O dedo direito, torto
O dedo de unha torta, morta?
Dói.
Dói e pulsa.
A sensação é que o coração mudou de lugar.
Por quê?
A pele estica.
A pele cora.
A pele parece querer se romper.
A pele quer se abrir e sangrar.
Mas é só um dedo.
Apenas um dedo qualquer.
O meu dedo.
O indicador, que indica a dor.
Que dói.
Que é meu.
Que pulsa.


29-07-12
Local: supermercado.

sábado, 28 de julho de 2012

A mão da América latina

Essa é uma das mãos mais famosas da arte brasileira: a mão da América Latina, de Oscar Niemeyer no Memorial da América Latina - Barra Funda, São Paulo.


"Representa o suor, o sangue e a pobreza que marcaram a história da América Latina tão desarticulada e oprimida. mão de protesto, espalmada, com os dedos abertos em desespero, e o mapa da América Latina a correr sangue até o punho. que este seja um símbolo que ajude a transformar a América Latina num monobloco intocável, capaz de fazê-la independente e feliz". Oscar Niemeyer

Mãos

Registros:
27-07-12
Local: parque do Ipirapuera



28-07-12
Local: sacada de casa


A ideia inicial está dividida em 3 partes:

1. Fazer registros diários da minha mão direita em diferentes locais e condições.
2. Fazer registros de mãos direitas de mulheres de 0 a ? anos. A intenção é conseguir chegar o mais longe possível.
3. Reunir o maior número possível de trabalhos artísticos com esse tema.

Por enquanto é isso. Mas pode mudar... afinal de contas, a arte é viva!

Os trabalhos da mão


Alfredo Bosi
Para a Ecléa

Parece ser próprio do animal simbólico valer-se de uma só parte do seu organismo para exercer funções diversíssimas. A mão sirva de exemplo.
A mão arranca da terra a raiz e a erva, colhe da árvore o fruto, descasca-o, leva-o à boca. A mão apanha o objeto, remove-o, aconchega-o ao corpo, lança-o de si. A mão puxa e empurra, junta e espalha, arrocha e afrouxa, contrai e distende, enrola e desenrola; roça, toca, apalpa, acaricia, belisca, unha, aperta, esbofeteia, esmurra; depois, massageia o músculo dorido.
A mão tacteia com as pontas dos dedos, apalpa e calca com a polpa, raspa, arranha, escarva, escarifica e escarafuncha com as unhas. Com o nó dos dedos, bate.
A mão abre a ferida e a pensa. Eriça o pêlo e o alisa. Entrança e desentrança o cabelo. Enruga e desenruga o papel e o pano. Unge e esconjura, asperge e exorciza.
Acusa com o índex, aplaude com as palmas, protege com a concha. Faz viver alçando o polegar; baixando-o, manda matar.
Mede com o palmo, sopesa com a palma.
Aponta com gestos o eu, o tu, o ele; o aqui, o aí, o ali; o hoje, o ontem, o amanhã; o pouco, o muito, o mais ou menos; o um, o dois, o três, os números até dez e os seus múltiplos e quebrados. O não, o nunca, o nada.
É voz do mudo, é voz do surdo, é leitura do cego.
Faz levantar a voz, amaina o vozerio, impõe silêncio. Saúda o amigo balançando leve ao lado da cabeça e, no mesmo aceno, estira o braço e diz adeus. Urge e manda parar. Traz ao mundo a criança, esgana o inimigo.
Ensaboa a roupa, esfrega, torce, enxágua, estende-a ao sol, recolhe-a dos varais, desfaz-lhe as pregas, dobra-a, guarda-a.

A mão prepara o alimento. Debulha o grão, depela o legume, desfolha a verdura, descama o peixe, depena a ave e a desossa. Limpa. Espreme até extrair o suco. Piloa de punho fechado, corta em quina, mistura, amassa, sova, espalma, enrola, amacia, unta, recobre, enfarinha, entrouxa, enforma, desenforma, polvilha, guarnece, afeita, serve.
A mão joga a bola e apanha, apara e rebate. Soergue-a e deixa-a cair.
A mão faz som: bate na perna e no peito, marca o compasso, percute o tambor e o pandeiro, batuca, estala as asas das castanholas, dedilha as cordas da harpa e do violão, dedilha as teclas do cravo e do piano, empunha o arco do violino e do violoncelo, empunha o tubo das madeiras e dos metais. Os dedos cerram e abrem o caminho do sopro que sai pelos furos da flauta, do clarim e do oboé. A mão rege a orquestra.
A mão, portadora do sagrado. As mãos postas oram, palma contra palma ou entrançados os dedos. Com a mão o fiel se persigna. A mão, doadora do sagrado. A mão mistura o sal à água do batismo e asperge o novo cristão; a mão unge de óleo no crisma, enquanto com a destra o padrinho toca no ombro do afilhado; os noivos estendem as mãos para celebrarem o sacramento do amor e dão-se mutuamente os anulares para receber o anel da aliança; a mão absolve do pecado o penitente; as mãos servem o pão da eucaristia ao comungante; as mãos consagram o novo sacerdote; as mãos levam a extrema-unção ao que vai morrer; e ao morto, a bênção e o voto da paz. In manus tuas, Domine, commendo spiritum meum.
Para perfazer tantíssimas ações basta-lhe uma breve mas dúctil anatomia: oito ossinhos no pulso, cinco no metacarpo e os dedos com as suas falanges, falanginhas e falangetas.
Mas seria um nunca acabar dizer tudo quanto a mão consegue fazer quando a prolongam e potenciam os instrumentos que o engenho humano foi inventando na sua contradança de precisões e desejos.
A mão lavra a terra há pelo menos oito mil anos, quando começou o Neolítico em várias partes do globo. Com as mãos, desde que criou a agricultura, o homem semeia, poda e colhe. Empunhando o machado e a foice, desbasta a floresta; com a enxada revolve a terra, limpa o mato, abre covas. Com a picareta, escava e desentorroa. Com a pá, estruma. Com o rastelo e o forcado, gradeia, sulca e limpa. Com o regador, água. Desgalha com a faca e o tesourão.
Manejando o cabo dos utensílios de cozinha, o homem pode talhar a carne, trinchar as aves, espetar os alimentos sólidos e conter os líquidos que escoariam pelas juntas das mãos em concha.
Morar é possível porque mãos firmes de pele dura amassam o barro, empilham pedras, atam bambus, assentam tijolos, aprumam o fio, trançam ripas, diluem a cal virgem, moldam o concreto, argamassam juntas, desempenam o reboco, armam o madeirame, cobrem com telha, goivo ou sapé, pregam ripas no forro, pregam tábuas no assoalho, rejuntam azulejos, abrem portas, recortam janelas, chumbam batentes, dão à pintura a última demão.
A mão do oleiro leva o barro ao fogo: tijolo. A mão do vidreiro faz a bolha de areia, e do sopro nasce o cristal.
A mão da mulher tem olheiros nas pontas dos dedos: risca o pano, enfia a agulha, costura, alinhava, pesponta, chuleia, cerze, caseia. Prende o tecido nos aros do bastidor: e tece e urde e borda.
A mão do lenhador brande o machado e racha o tronco. Vem o carpinteiro e da lenha faz o lenho: raspa e desbasta com a plaina, apara com o formão, alisa e desempena com a lixa, penetra com a cunha, corta com a serra, entalha com a talhadeira, boleia com o torno, crava pregos com o martelo, marcheta com as tachas, encera e lustra com o feltro.
O ferreiro malha o ferro na bigorna, com o fogo o funde, com o cobre o solda, com a broca o fura, com a lima o rói, com a tenaz o enverga, torce e arrebita.
O gravador entalha e chanfra com o cinzel, pule com o buril. O ourives lapida com o diamante, corta com o cinzel, afina com o buril, engasta com a pinça, apura com o esmeril.
O escultor corta e lavra com o escopro e o formão.
O pintor, lápis ou pincel na mão, risca, rabisca, alinha, enquadra, traça, esboça, debuxa, mancha, pincela, pontilha, empastela, retoca, remata.
O escritor garatuja, rascunha, escreve, reescreve, rasura, emenda, cancela, apaga.
Na Idade da Máquina, a mão teria, por acaso, perdido as finíssimas articulações com que se casava às saliências e reentrâncias da matéria? O artesanato, por força, recua ou decai, e as mãos manobram nas linhas de montagem à distância de seus produtos. Pressionam botões, acionam manivelas, ligam e desligam chaves, puxam e empurram alavancas, controlam painéis, cedendo à máquina tarefas que outrora lhes cabiam. A máquina, dócil e por isso violenta, cumpre exata o que lhe mandam fazer; mas, se poupa o músculo do operário, também sabe cobrar exigindo que vele junto a ela sem cessar; se não, decepa dedos distraídos. Foram oito milhões os acidentes de trabalho só no Brasil de 1975.

(estudo de Pablo Picasso)

IN: BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos.São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 468-471.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

O início

A arte sempre fez parte de mim. Quando criança diziam que eu tinha "dotes" artísticos, principalmente porque tinha "jeito" com as mãos e sabia fazer trabalhos manuais: desenhava e pintava bem para uma criança (do ponto de vista de alguém que acha que a arte deve ser sempre bela e tradicional). Mas eu não queria ser artista.
O belo, na verdade, me incomodava um pouco. Não gostava de ter a letra "bonitinha", toda redondinha e super legível. Gostava mais das letras dos colegas que eram mais selvagens, tortas. Nunca gostei dos meus desenhos, que sempre eram bonitinhos demais. Então fui navegar por outras áreas. Primeiro veio a dança... O ballet clássico me fascinava (e fascina ainda hoje) e fui descobrir dançando que na verdade eu não desgostava do belo, mas não sabia muito bem como inserí-lo em minha vida. Não me achava bonita, nunca tive facilidade pra estar naturalmente bonita. Mas o ballet deve mostrar a beleza do gesto... Mais uma vez resolvi mudar de área. Fui passear pelo teatro. Essa linguagem mexeu demais em mim. Minha graduação foi em artes cênicas e, também fiz curso técnico de formação de atores. Sonhei em ser atriz, mas depois de um tempo percebi que o palco não era exatamente meu lugar. Nessa fase eu já tinha conseguido entender melhor a importância do belo em minha vida e, pra mim, o belo de verdade, o que eu sabia fazer, não era exatamente estético. Pra mim, belo era estar em contato com as pessoas, falando daquilo que eu aprendi a amar, mostrando, gerando dúvidas, questionamentos... Belo era estar na sala de aula com meus alunos. Belo era ser aquilo que eu me tornei: professora.
Nesse momento a letra bonitinha e redondinha ajudou (se bem que às vezes ela dá lugar à traços mais livres - dos quais eu me orgulho muito - e meus alunos, certamente têm raiva!).
Me tornei professora de arte. Da arte que me formou como pessoa, como cidadã, como mulher. Não poderia ter sido diferente!
Só que depois de anos e anos lutando contra algo que tinha nascido na minha infância, resolvi dar asas aos meus impulsos artísticos. Resolvi, impulsionada por estudos sobre artistas contemporâneos, sobre leituras e, sobretudo por um curso que fiz com o educativo da Bienal, criar esse projeto: o projeto MÃO.
A menina que fugia do rótulo artista, que flertou com diversas linguagens artísticas, que se tornou mulher, que ganha a vida falando de arte, vai fazer ARTE.
Isso parece ter um peso imenso. Parece um peso maior do que eu posso suportar... mas vou fazer.


Por que MÃO?
Como já comentei, desde criança fui rotulada de ter "jeito" pra trabalhos manuais. Mas, por ironia do destino, talvez, desde 1996 desenvolvi uma alergia bem na minha mão direita - a mão que uso pra praticamente tudo (já que sou destra).
O meu problema não tem cura. Já fiz muitos tratamentos, consultei muitos médicos, já tomei muitos remédios diferentes, passei muitas pomadas e cremes diferentes... Já fiz muitos exames. A conclusão que os médicos chegaram foi que eu preciso conviver com isso. Hoje posso dizer que aprendi a conviver, mas não posso dizer que consigo esquecer.
Minha alergia piora com alguns fatores: muito pó, estresse, contato com algumas coisas (latex, por exemplo... o que torna minha vida um pouco difícil, já que a maior parte das coisas inventadas para proteger as mãos são feitas desse material), frio... O fator mais determinante é psicológico: quando estou bem ela melhora, quando estou triste ou nervosa, piora.
O que acontece na prática?
Minha mão direita, quando está em crise aguda, fica vermelha, a pele chega a rasgar provocando sangramentos, os movimentos dos dedos ficam comprometidos e perco minhas impressões digitais (além de ficar feio pra caramba). Normal, normal ela nunca mais ficou. Guardo algumas marcas disso mesmo quando ela está ótima - uma coisa é a deformação que "ganhei" nas unhas do polegar e do indicador. Além disso, a mão direita parece mais velha que a esquerda.

O problema não me impede de fazer as tarefas simples do dia a dia. Não tenho, por exemplo, nenhuma dificuldade em escrever (seja assim, no computador ou usando objetos próprios). A lousa, por exemplo, não chega a ser um problema. Não tenho alergia ao giz - mas se ela está mal, o giz agrava (por deixar a mão muito seca). A dificuldade em fazer as tarefas simples só existe em momentos de crise aguda.

A intenção desse projeto não é ficar expondo minha dor e nem fazer com que alguém tenha pena de mim por ter esse problema. Minha intenção é simplesmente olhar pra ela com outros olhos. Olhar para a  mão que tanto desprezei ao longo de anos... que é a mesma mão que me ajuda tanto. Olhar para ela não como um problema, mas como uma fonte inspiradora para ARTE.