quinta-feira, 26 de julho de 2012

O início

A arte sempre fez parte de mim. Quando criança diziam que eu tinha "dotes" artísticos, principalmente porque tinha "jeito" com as mãos e sabia fazer trabalhos manuais: desenhava e pintava bem para uma criança (do ponto de vista de alguém que acha que a arte deve ser sempre bela e tradicional). Mas eu não queria ser artista.
O belo, na verdade, me incomodava um pouco. Não gostava de ter a letra "bonitinha", toda redondinha e super legível. Gostava mais das letras dos colegas que eram mais selvagens, tortas. Nunca gostei dos meus desenhos, que sempre eram bonitinhos demais. Então fui navegar por outras áreas. Primeiro veio a dança... O ballet clássico me fascinava (e fascina ainda hoje) e fui descobrir dançando que na verdade eu não desgostava do belo, mas não sabia muito bem como inserí-lo em minha vida. Não me achava bonita, nunca tive facilidade pra estar naturalmente bonita. Mas o ballet deve mostrar a beleza do gesto... Mais uma vez resolvi mudar de área. Fui passear pelo teatro. Essa linguagem mexeu demais em mim. Minha graduação foi em artes cênicas e, também fiz curso técnico de formação de atores. Sonhei em ser atriz, mas depois de um tempo percebi que o palco não era exatamente meu lugar. Nessa fase eu já tinha conseguido entender melhor a importância do belo em minha vida e, pra mim, o belo de verdade, o que eu sabia fazer, não era exatamente estético. Pra mim, belo era estar em contato com as pessoas, falando daquilo que eu aprendi a amar, mostrando, gerando dúvidas, questionamentos... Belo era estar na sala de aula com meus alunos. Belo era ser aquilo que eu me tornei: professora.
Nesse momento a letra bonitinha e redondinha ajudou (se bem que às vezes ela dá lugar à traços mais livres - dos quais eu me orgulho muito - e meus alunos, certamente têm raiva!).
Me tornei professora de arte. Da arte que me formou como pessoa, como cidadã, como mulher. Não poderia ter sido diferente!
Só que depois de anos e anos lutando contra algo que tinha nascido na minha infância, resolvi dar asas aos meus impulsos artísticos. Resolvi, impulsionada por estudos sobre artistas contemporâneos, sobre leituras e, sobretudo por um curso que fiz com o educativo da Bienal, criar esse projeto: o projeto MÃO.
A menina que fugia do rótulo artista, que flertou com diversas linguagens artísticas, que se tornou mulher, que ganha a vida falando de arte, vai fazer ARTE.
Isso parece ter um peso imenso. Parece um peso maior do que eu posso suportar... mas vou fazer.


Por que MÃO?
Como já comentei, desde criança fui rotulada de ter "jeito" pra trabalhos manuais. Mas, por ironia do destino, talvez, desde 1996 desenvolvi uma alergia bem na minha mão direita - a mão que uso pra praticamente tudo (já que sou destra).
O meu problema não tem cura. Já fiz muitos tratamentos, consultei muitos médicos, já tomei muitos remédios diferentes, passei muitas pomadas e cremes diferentes... Já fiz muitos exames. A conclusão que os médicos chegaram foi que eu preciso conviver com isso. Hoje posso dizer que aprendi a conviver, mas não posso dizer que consigo esquecer.
Minha alergia piora com alguns fatores: muito pó, estresse, contato com algumas coisas (latex, por exemplo... o que torna minha vida um pouco difícil, já que a maior parte das coisas inventadas para proteger as mãos são feitas desse material), frio... O fator mais determinante é psicológico: quando estou bem ela melhora, quando estou triste ou nervosa, piora.
O que acontece na prática?
Minha mão direita, quando está em crise aguda, fica vermelha, a pele chega a rasgar provocando sangramentos, os movimentos dos dedos ficam comprometidos e perco minhas impressões digitais (além de ficar feio pra caramba). Normal, normal ela nunca mais ficou. Guardo algumas marcas disso mesmo quando ela está ótima - uma coisa é a deformação que "ganhei" nas unhas do polegar e do indicador. Além disso, a mão direita parece mais velha que a esquerda.

O problema não me impede de fazer as tarefas simples do dia a dia. Não tenho, por exemplo, nenhuma dificuldade em escrever (seja assim, no computador ou usando objetos próprios). A lousa, por exemplo, não chega a ser um problema. Não tenho alergia ao giz - mas se ela está mal, o giz agrava (por deixar a mão muito seca). A dificuldade em fazer as tarefas simples só existe em momentos de crise aguda.

A intenção desse projeto não é ficar expondo minha dor e nem fazer com que alguém tenha pena de mim por ter esse problema. Minha intenção é simplesmente olhar pra ela com outros olhos. Olhar para a  mão que tanto desprezei ao longo de anos... que é a mesma mão que me ajuda tanto. Olhar para ela não como um problema, mas como uma fonte inspiradora para ARTE.

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